Luísa Silvestre
Até aos 11 anos, uma menina chamada Luísa Silvestre, viveu muito feliz. Ela era a mais nova de três irmãos (dois rapazes e uma rapariga). Moravam na linda cidade beirã de Gouveia, onde nasceu. Tinham uma casa com quintal, onde brincavam alegremente, enquanto os feitores tomavam conta do eiró. O pai era guarda nacional republicano e tinha imensos passatempos: electricidade, carpintaria, bricolage… Luísa nutria por ele uma grande admiração, seguindo-o para todo o lado. “Aprendi muito com ele. Adquiri 99,9% da sua personalidade. Deu-me uma postura forte, uma forma de estar, um andar. Na rua, as pessoas costumam-me dizer: «Vai ali uma tropa».
Ele gostava da ordem, da organização e do serviço bem feito em todos os níveis. Graças a isso, sou assim bem orientada, crescendo diariamente e sem me arrepender das coisas que faço”, afirma com convicção e orgulho. Por isso, aquando a sua morte devido a uma embolia cerebral aos 51 anos, o mundo da jovem desmorona-se. Um ano depois, outra tragédia: um dos irmãos, aviador, tem um acidente fatal. O outro irmão, jovem militar, decide regressar para o Continente. Mais uma desgraça: um incidente deixa-o paralisado durante dois anos. Luísa arregaça as mangas e torna-se o sustento da casa. “Estudava e trabalhava ao mesmo tempo. Ajudava a minha mãe e o meu irmão. A minha irmã não podia porque tinha marido e filhos e estava mais longe. O falecimento do meu pai custou-me imenso. Demorei cerca de 20 anos a digerir.”, sussurra com um nó na garganta.
Aos 15 anos, vai viver para Viseu. Continua a apoiar o lar, a estudar e a trabalhar como telefonista na empresa Volter. “Era uma menina ingénua, sem saber o que era a vida, o movimento, os carros. Gouveia era uma vila adorável e pouco movimentada em relação a Viseu. Por isso, o trabalho trouxe-me aberturas e crescimento. Fazia quilómetros a pé, a correr de casa para o trabalho e para a escola. Como morava na estrada de Nelas e vinha a meia-noite para casa, vestia-me como um homem para me sentir mais segura”, relata, lembrando-se das correrias e da ausência total de vida pessoal. Dez anos depois, despede-se e parte trabalhar para Leiria durante meio ano. Regressa a Viseu em 1984, empregando-se como contabilista numa firma de construção civil. De repente, surge a doença que a põe 3 anos de baixa até a reforma definitiva.
(Imagem retirada da Internet)
O ano de 2004 estava a ser pautado por momentos de stress intenso. A saúde da própria mãe era trémula e as divergências no emprego aumentavam. O seu sistema nervoso ressentia-se. Luísa começa a ter fortes dores nas costas, mas atribua-as ao cansaço. No entanto, após voltar de férias em Julho, a mãe falece. Numa visita regular ao ginecologista, é aconselhada a fazer uma mamografia, que adia para Outubro. Contudo, as dores permanecem. Numa noite, decide entender de vez o que sente. “Comecei a fazer a apalpação manual e nada. Deitei-me em cima da cama e aí, com o peito achatado, notei uma bola oval. Falei logo para mim própria – tens o cancro da Mama”, recorda. Nessa noite, Luísa não chora, não dramatiza, nem dorme. Toma resoluções: os passos a seguir no dia seguinte. Depois do trabalho, dirige-se ao médico, marca exames e passa até na consulta de obstetrícia do Hospital S. Teotónio de Viseu. Entretanto, informa-se sobre o cancro da mama, junto de um amigo médico. Quando chega a altura dos resultados dos exames, Luísa já sabe perfeitamente que tem cancro, o que lhe vai acontecer, os tratamentos a fazer e as consequências. E exclama uma pergunta pertinente ao médico: “Tenho aí uma linda flor, Doutor. Eu, vegetariana e desportista, saudável e nada de hereditários, diga-me se não é derivado ao sistema nervoso e ao tabaco de 90 cigarros por dia que fumam no meu escritório?”. No hospital, a doutora estranha a reacção passiva da paciente. Luísa estava serena e apenas queria ser tratada. “Admirou-se por eu não me desfazer em lágrimas ou pior. Não sou assim. Sou só consciente e objectiva”, declara.
Após vários exames em Viseu e em Coimbra, prepara algumas bagagens e parte para Lisboa para estar perto da família e seguir lá os tratamentos. Porém, arrepende-se. A família apoiava-a, mas os profissionais da área hospitalar não. Era apenas mais um corpo doente, no meio de tantos outros. As informações eram inexistentes, assim como os cuidados psicológicos para com os pacientes. Por conta própria, Luísa vai a dois psicólogos e a um médico naturista. No hospital, requer uma ressonância magnética que lhe é negada.
Veremos na próxima 4ª, a postura tomada por Luísa e o seu papel no apoio a outras mulheres…