quarta-feira, 24 de fevereiro de 2010

MARIA MANUELA, A MADRE TERESA BEIRÃ (1ª Parte)

(Maria Manuela Corte Real em Mumemo - Moçambique; foto cedida pela própria)

Já despertou para outra realidade? Já sentiu na pele o que é a falta de bens de primeira necessidade? A escassez de água, alimentos, medicamentos? E se o pouco que tivesse fosse arrastado por cheias? Quem vivia no Bairro Chamanculo, em Maputo, procurou sobreviver a tragédia das chuvas. Refugiaram-se em Mumemo, onde puseram mãos à obra para criar: Mumemo 1/2/3 – Fraternidade São Francisco de Assis. E porque estarei eu a contar-lhes isto? Porque a mais recente convidada do Clube das Mulheres Beiras esteve lá. Passo a passo, deixamo-nos viajar pela sua história de vida.
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A menina Maria Manuela Corte-Real considera-se mais beirã ou cidadã do Mundo?
Sou uma beirã de gema que abraçou o Mundo (sorriso). Nasci no Sátão, um meio pequeno e tranquilo, e cresci no seio de uma família humilde. Tinha um padrasto, mas não gostava dele, nem queria viver com ele. Por isso, não deixei a minha casa de infância até casar.
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E com o casamento, surgiram algumas mudanças?
Claro, primeiro pertinho: Aguiar da Beira. Entretanto, tive dois filhos: um rapaz e uma rapariga. Como nas aldeias, só havia a 4ª classe e eu queria que os meus filhos tivessem estudos, pus o meu mais velho no Colégio Via Sacra, em Viseu, em regime de internato. Mas ele não se sentia bem, custava-lhe a distância… Então, desafiei o meu marido: “Ele não estuda mais e vem para junto de nós ou vamos para Viseu para o bem dele”. E lá fomos.
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E aí irrompe o desejo de trabalhar com crianças?
Este desejo já estava entranhado em mim desde nova.
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Quando concretiza esse sonho?
Tinham passados poucos meses depois do 25 de Abril e nada de trabalho. Chorava muito porque estava sozinha em casa: marido no trabalho, filhos na escola, casa construída, e eu inactiva. Arregacei as mangas e criei uma creche. Eduquei lá muita criança e dei trabalho a quem precisou. Ocupar-me de crianças desde as 7h da manhã, era uma felicidade enorme para mim. Preenchia-me de tal forma, ninguém imagina.
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(Crianças do Bairro de Mumemo - Moçambique; foto cedida por Manuela Corte Real)

Até aparecerem nuvens no seu Paraíso?
É verdade: a doença de Alzheimer do meu marido e o meu cancro do colo do útero. Naquela altura, sabia-se muito pouco acerca da Alzheimer e nem se falava disso. Durante 10 anos, andamos às voltas com tratamentos para outros males. Eu ajudava-o e tínhamos enfermeira ao domicílio. Mesmo assim, fazia questão de manter a casa num brinco. Quando ele deixou de trabalhar, por coincidência ou não, deram-nos outra médica. Foi uma luz nas nossas vidas. Os melhores neurologistas de Coimbra examinaram-no e caiu o veredicto: Alzheimer. Foi difícil, mas tentei ao máximo dar-lhe toda a qualidade de vida possível até nos deixar. Ele faleceu 5 dias depois do casamento da filha. Acho que ele pressentiu porque nesse dia, ele estava na cadeira de rodas, tranquilo, estávamos prestes a dar-lhe a refeição por injecção. Subitamente, ele ganhou forças e comeu com os talheres como se nada fosse. Foi a prenda que ele nos ofereceu antes de partir…
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E a sua batalha?
Depois veio a minha vez de ser eu própria a lutar contra uma fatalidade. Aos 55 anos, estava muito desgastada com a morte do meu marido, mas mesmo assim ia trabalhar para a creche. Passado um ano, fui ao ginecologista. Notícia: Cancro do Colo do Útero em estado avançado. Pensei: “O quê? Eu estou muito cansada mas é do trabalho. Já fiquei caída debaixo de um pinheiro e quebrei duas costelas, e agora isto?”. Fui logo internada para uma catrefada de exames. Depois quis dar-me um momento só para mim antes de enfrentar outros. Fui para Fátima sozinha, rezei, cantei, meditei, nem dormi…

De volta à casa, fui ao hospital com os meus filhos. Acabei por lhes revelar o que tinha, explicando-lhes a operação no IPO de Coimbra. A cirurgia foi demorada porque me retiraram tudo. A minha filha esteve uma semana comigo, dando-me apoio contínuo. Fiz radioterapia intra-vaginal e medicação. O meu corpo rejeitava isso e nem me segurava em pé. Cortei o cabelo e vim para Viseu com a condição expressa de não receber visitas. O Dr. Santos Paulo e uma enfermeira foram os meus amigos nessa luta. Fiz um tratamento experimental e deu resultado. Nas piscinas do Fontelo, pratiquei hidroginástica com uma professora incrível, a quem muito agradeço, porque me amparava para entrar e sair da piscina, escolhia os exercícios em função do meu problema: uma bênção.
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Na próxima 4ª, não perca a 2ª parte: Maria Manuela foi voluntária em Moçambique!!!

7 comentários:

Luis disse...

Olá Amigas,
Uma vida destas tão repleta deve dar felicidade a quem a vive!
Vou voltar para ver a continuação.
Saudações amigas.dolodh

Helena Teixeira disse...

Olá!
Se deu e continua a dar!Havia de ver e conhecer pessoalmente a Manuela.É uma Senhora cheia de vida,não se deixou abater pela doença,vai lutando diariamente contra ela,e até a poe de lado para poder ajudar e fazer tudo pelos "seus meninos" como ela chama carinhosamente as crianças de Mumemo :) Essa experiência deu-lhe mais 20 anos de vida,ou mais!

Jocas gordas
Lena

Tite disse...

Fiquei encantada e fascinada pela personalidade da Beirã Maria Manuela.

Vou continuar a acompanhar a sua história de vida pois me parece que tem muito para dar.

Beijossss
Voltarei

Anónimo disse...

Olá tudo bem adorei todas as historias de vidas de esperiencias destas mulheres. Gostaria de ler muitas mais.! Parabens pelo seu trabalho está perfeito. Continue.Em especial desta senhora que certamente terá histórias magnificas para contar é muito bom ter pessoas assim entre nós. Até breve

Anónimo disse...

É um prazer vir aqui conhecer gente tão especial.
Abraço,

Helena Gaspar

Francis disse...

Valeu a pena?
É esta a pergunta que vou colocar a mim mesmo quando o dia chegar.

Um grande abraço!!!

Anónimo disse...

Olá!
Já participei em voluntariado mas cá em Portugal.Não é a mesma coisa,claro,mas a sensação de bem-estar interior é algo indescriptível.Por exemplo,nas acções do Banco Alimentar,nem damos conta do tempo passar,é uma velocidade alucinante de trabalho,mas como sabemos que estamos numa missão de entre-ajuda,o cansaço não pesa,acho que até ficamos mais leves.

Parabéns,Manuela e muita força para continuar. Ver se junto um pessoal para apadrinhar uma dessas crianças :)

Beijos
Liliana Rito