quarta-feira, 22 de julho de 2009

PAÍSES DIFERENTES, UM SÓ AMOR: PORTUGAL BEIRÃO

É uma mulher genuinamente beirã que saltitou desde muito nova entre dois países, mas nunca esqueceu as suas raízes.

Maria de Fátima (nome fictício), nasceu na pequena aldeia de Sequeiros, concelho da Mêda. “Era uma casinha velha no fundo do povo. A minha irmã e eu andávamos no campo e nas terras, em liberdade”. Maria é a mais velha de quatro crianças: uma irmã nascida em Portugal, e mais dois: uma rapariga e um rapaz nascidos em França. O pai era jardineiro e a mãe empregada doméstica.


Mapa concelho de Mêda,(freguesia do Poço do Canto-Sequeiros)
Imagem retirada da internet

Após emigrar um ano para esse país, o pai veio buscar o resto da família e a partir daí começou uma infância algo atribulada. “Tinha 3 anos, fizemos a viagem de comboio. Fiquei muito admirada com o comboio, porque nunca tinha visto nenhum, e com as paisagens” exclama Maria. Na altura, eram muitos os portugueses a cruzarem montes e vales para passarem a fronteira espanhola, a fim de não serem apanhados sem papéis… e correrem o risco de serem mandados de volta à Portugal. “Houve um momento em que a minha mãe ficou aflita porque um guarda espanhol estava a brincar comigo e ela teve medo que eu falasse português e ele nos mandasse para trás”.

Região do Rhône-Alpes onde está localizada a vila de Pinay
Imagem retirada da Internet

Em território gaulês, estiveram na localidade de Pinay, no princípio numa caravana e depois numa casa com jardim. Maria sorri, “foi a primeira vez que fui ao jardim-de-infância. A escola juntamente com a câmara davam prendas no Natal e assim tive minha primeira boneca”. Ao fim de 6 meses, vão para Monsegne onde vê neve. Ao mesmo tempo que se habitua a nova morada, aprende a cuidar da recém-chegada irmã. “Aos 7 anos, não foi fácil. Nós mudávamos muitas vezes de casa por causa do preço e da duração dos alugueres, do espaço e também por motivos profissionais do meu pai. Entretanto, ajudava em casa e mudava as fraldas à minha irmã ”, relata.
Dois anos depois, os tios tentam convencer os pais a mandarem as meninas para Portugal. Maria concorda contra a vontade, mas impõe uma condição. “Nós não entendíamos porque devíamos ir. Eu só falei para a minha mãe que só aceitava ir se a minha irmã, mais nova do que eu um ano, fosse comigo”. E conseguem, só a mais nova fica junto dos progenitores. E assim foi, as duas seguem viagem e a bebé fica junto dos progenitores. A chegada à Mêda foi um grande choque para ambas. “Fomos entregues a um senhor que não conhecíamos, levou-nos para uma casa que nos era estranha, com pessoas familiares dele, que também desconhecíamos. Isso foi assustador porque durante seis meses pensámos que tínhamos sido abandonadas”, conta muito emocionada e prossegue “ só quando recebemos prendas dos nossos pais, chocolates, bombons, roupa e botas de Inverno é que percebemos que estávamos lá para estudar e não esquecidas”.


Longroiva
Imagem retirada da Internet

Durante 4 anos, em que os pais as visitavam nas férias, dividiram a morada entre duas aldeias Longroiva e Sequeiros e a cidade da Guarda. As recordações de Longroiva são as mais marcantes. “As pessoas eram muito boas. Os jovens vinham brincar connosco e havia lá uma menina, nossa amiga, na mesma situação com os pais emigrados”. Contudo nem tudo eram rosas, naquela época, faltava electricidade, água e não havia televisão. Este contexto gerou uma enorme paixão pela vida no campo. “Convivíamos com as ovelhas, plantávamos tomates num carreirinho. Ainda sinto o cheiro dos tomateiros. Apanhávamos grilos, dávamos-lhes alface e uma casinha. Fazíamos a vindima, ajudávamos nas melancias, via a minha tia a fazer requeijão. Ah! E adorava comer marmelos ácidos!” exclama, rindo. Outra lembrança é a ida à missa todos os domingos, mas uma em particular. “Um soldado tinha falecido e para o funeral dele juntaram todos os alunos da escola com raminhos de mimosa”.
No entanto, acabam por regressar para Pinay (França) junto dos pais. A integração na escola francesa foi a fase mais difícil para uma menina de apenas13 anos. Em Portugal, tinha conquistado a quarta classe e a irmã, com mais custo, a segunda. Em França, obrigaram-na a começar do início. “Eu tinha perdido a noção da língua, mas recuperei tudo aos poucos. Mesmo assim, puseram-me no primeiro ano. Por isso, fiquei muito triste e desanimada ao ser a mais velha no meio de crianças de 6/7 anos. O pior era nas piscinas onde me sentia diferente junto dos pequeninos. Mas depois no mesmo ano, passei duas classes consecutivas”, narra com orgulho.
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Não perca na próxima Quarta-feira, a 2ª parte do testemunho de vida da Maria de Fátima que ainda tem muitas reviravoltas!
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10 comentários:

Laura disse...

História de vida. Histórias que não são contadas todos os dias. Histórias que fizeram parte de nossas vidas e nos ficam entranhadas na pele, nos cheiros, nos sabores, na perda de quase identidade, para depois a recuperar...
Eu, surda desde os seis anos (hoje Autodidacta)também fui para terras estranhas, principalmente a África do Sul, onde é dificl aprender. Mas eu aprendi alguma coisa, na lingua Inglesa...pois surdos não ouvem o som das palavras e não se pronuncia como se lê... escreve e s elê igual...Dificil, mas, vivi, aprendi...
Anos mais tarde, depois de tudo resolvido, as nossas vidas voltam a pertencer-nos, proque soubemos dar a volta por cima, porque somos mulheres guerreiras, mulhers que já não temem o amanhã... espero pela continuação da história...e por falar nessa terra, a MEDA,sei que tenho aí uma familia amiga, muito amiga dos meus tempos de jovem,em Luanda, Angola, só que nunca consegui ir aí, proque me diziam que era longe demais para eu ir só,de carro, eu conduzo, o problema não é nem ouvir, é mais saber ir lá ter,se dizem que as estradas são más..depois explicas-me ó menina?

Susana Falhas disse...

Querida Laura:

Como foi que aconteceu, ficar surda aos seis anos? Deve ter sido difícil para ti! Eu de certa maneira também sei é conviver com isso...pois sou parcialmente surda, mas faço uma vida perfeitamente normal. Estudei, formei-me e casei-me. Só tive alguns dissabores, quando comecei a trabalhar na minha profissão...senti-me descriminada, por causa desse pormenor, quenem dou por ele...

Em relação à Meda, minha querida, não sei há quanto tempo te disseram...e de ondes és. Apenas sei que os acminhos que vão de Viseu para lá, a estrada é optima e demoro apenas uma hora a chegar lá.

Mas se o problema é ir até lá, não seja por isso! Proponho combinar um dia, para te levar lá, a partir de Viseu. Terei todo o gosto!
Que achas?

Muito obrigada pela tua presença aqui no clube!

Abraço Susana

Laura disse...

Olá Susana. Já expliquei no meu blogue como fiquei surda e que gostava de ir á Meda mas só sabendo s eos meus amigos vivem lá, e teria de ser muito bem combinado, acho que daqui a Viseu ainda são umas duas h e pico...A Viseu vou em setembro que irá haver um encontro com os amigos do blogue, alguns, claro...Beijinhos a ti, laura.

Susana Falhas disse...

Laura: Agora fiquei curiosa para saber sobre esse encontro de bloguers em Viseu...Quando vai ser? Será uma boa oportunidade para te conhecer e quem sabe combinar para ir à Mêda.

Se quiseres posso procurar informações sobre esses amigos, para confirmar se de facto contiuam a viver lá, ou não(caso não saibas o paradeiro deles).

Podes mandar esses dados para : aminhaldeia@sapo.pt

Bjs Susana

Emília Pinto disse...

Oi Amigas
N~ao sei o que dizer... .Estou mesmo t~ao emocionada que s´o uma l´agrima,consegue soltar-se...
Tanto a menina, que vai e vem da hist´oria, como a Laura, como a Suzana....me fazem tanto pensar....
Continuem.... quero ver um fim feliz, um encontro, que se h´a-de realizar...
At´´e breve
Herminia

Susana Falhas disse...

Amiga Hermínia:

De facto é muita emoção para um post só! Quando abrimos o coração...o resultado só poderá ser esse...muita emoção( prepara-te que ainda não acabou, pois na próxima semana saberemos que voltas teve essa menina, até aos dias de hoje).

Em relação ao encontro, eu gostaria de concretizar, não só com a Laura, mas também contigo e com a Emília, como já disse anteriormenete (e continua de pé...)só temos que pensar numa data acessível a todas...

Obrigada pelo comentário!
bjs Susana

Antonio Regly disse...

Susana,
Desde que passei a visitar este seu blog tenho gostado muito das histórias de vida aqui relatados.
Quando cursei a Faculdade de Pedagogia - curso predominantemente feminino - pude conhecer algumas histórias de mulheres guerreiras em busca da conquista do seu espaço.
Havia na minha turma uma moça que era empregada doméstica e estava aproveitando para estudar. Seu sonho era possuir o diploma do curso superior e conseguiu. Uma outra amiga também ficara surda na infância, por causa de meningite. Sua maior barreira não foram as limitações, mas a família que não queria deixá-la estudar, por temerem que ela não lograsse êxito e, consequentemente, sofrer outras frustrações. Mas também se formou e conquistou seu espaço.
A história de "Maria de Fátima" é linda de se ler e usá-la como exemplo para outras tantas "Marias" daí (Portugal) e daqui (Brasil).
Seus posts biográficos tem se constituído uma bela e nobre galeria de mulheres heroínas, cujas histórias fazem a história do seu país.
Parabéns mais uma vez pelo trabalho.
Abraço do amigo,

Antonio

Pascoalita disse...

Engraçado encontrar aqui a Laurita das résteas no "Clube das meninas beirãs" eheheh

Sempre que ela sabe que passo pela Mêda, logo ela fala nesses amigos de longa data, mas ainda não calhou dar-me os dados necessárias para uma eventual pesquisa na zona.

Susana,

A história de Fátima tem algumas semelhanças à de Francisca, uma nativa duma aldeia beirã, cuja infância e pré adolescência igualmente conturbadas acabariam por lhe condicionar a vida de várias formas.

Também Francisca ficou deslumbrada com a sua primeira e única boneca que ganhou por volta dos 10 anos e que acabaria por ser jogada num poço!

Naquele tempo o trabalho infantil era precioso e não havia tempo para brincadeiras.

Qualquer uma dessas histórias que poderá ler no meu Blogue em "Aventuras de Francisca" ficariam bem neste espaço eheheh

Mas tal como aconteceu com Francisca, acredito que as adversidades tornaram Maria de Fátima uma mulher forte e melhor preparada para enfrentar a vida.

Um beijo

Susana Falhas disse...

António:

Obrigada pelas palavras! Esses testemunhos reais, de certa maneira transmitem uma mensagem e uma lição de vida, sobre a realidae em que o mundo feminino vive que, de certa maneira, se encaixa em muitas "Marias" que existem pelo mundo fora.

Obrigada pela sua presença aqui e partilha de ideias sobre essas grandes mulheres.

Susana Falhas disse...

Pascoalita: Fiquei curiosa por saber mais da história da menina Francisca. Obrigada pela presença e pela palavras. Vou procurar saber mais.

Bjs Susana