quarta-feira, 7 de abril de 2010

TRABALHAR, ESTUDAR, LUTAR, MAS NUNCA DESISTIR (parte 1)

(Eugénia Santa Cruz - foto cedida pela própria)

O cheiro a mimosa anuncia a Primavera. Os passarinhos cantam. Se não fosse o barulho urbano, poderíamos fechar os olhos, imaginarmo-nos no meio da Serra do Açor e vislumbrar lá do cima a pacata e animada povoação da nossa entrevistada. Quanto olhamos para ela, pensamos: «esta beirã não tem 46 anos. Tem tanta jovialidade! No mínimo, terá 26». Natural de Góis (Distrito de Coimbra), sugerimos a brincar que são os ares beirões, o elixir da eterna juventude. Eugénia Santa Cruz ri-se e entusiasmada fala com paixão da sua aldeia Cortecega.

Como era ser criança em Cortecega?
(Brilho nos olhos) A minha infância foi passada em Cortecega, onde nasci a 9 de Junho de 1963. Fui feliz, recebia dos meus pais muito amor. Aos 6 anos de idade, fui para a escola. Para tal, tinha de percorrer 8 Km todos os dias, uma vez que a minha aldeia ficava a 4 Km da vila onde era a escola primária. Levantava-me muito cedo para ir para a escola e quando regressava, ajudava a minha mãe no campo, guardava o gado, fazia a comida ou limpava a casa. A minha família era pobre, vivia do que a terra dava e daquilo que se ganhava no dia-a-dia, mas nunca passei fome como muita gente passou. Na nossa mesa havia sempre comida, mas lembro-me de a minha mãe estar a espera que todos acabassem de comer para ela comer os restinhos.
Por isso, não foi fácil e comecei a trabalhar muito cedo. Aos 10 anos, quando sai da escola, fui trabalhar para o campo e ao mesmo tempo, aprendia costura, bordados e renda numa costureira que ensinava raparigas. Guardo as melhores recordações desta senhora, a menina Belita, que graças a Deus ainda está junto de nós.
Mas essa escolha de vida não foi sua, pois não?
(Olhar perdido no tempo…) Não. Nesse tempo, era mesmo assim. Nessa época, as raparigas não iam para o ciclo preparatório. Eu chorei muito porque queria estudar. A minha professora da primária até mandou uma carta aos meus pais a dizer que era uma pena não continuar a estudar. Era boa aluna e muito empenhada.

(Cortecega - foto cedida por Eugénia Santa Cruz)

Entretanto, surge uma triste notícia…
(Emociona-se) Sim. O meu pai falece. A minha mãe continuou sozinha o seu papel de mãe e pai, criando 4 filhos: um de 16 anos, eu de 13, outro de 9 e o mais novo de 7 anos. A vida já não era fácil, a partir daí, foi uma luta maior. Comecei a “andar aos dias” para fora, ou seja trabalhar para outrém, em campos, obras, entre outros… Mesmo em tempos adversos, eu era feliz. O meu irmão e eu trabalhávamos muito para o sustento da casa e para ajudar na criação dos dois irmãos mais novos. A minha mãe era muito doente, infelizmente.

A meio da adolescência, dá-se uma espécie de reviravolta…
Por volta dos 14 anos, fui trabalhar para a floresta: plantava pinheiros, limpava as matas e no verão ia juntamente com outras pessoas apagar fogos. Aos 16 anos entrei para a Câmara Municipal de Góis para trabalhar na carpintaria da autarquia: envernizava madeira e tudo o que se relacionava com a mesma. Contudo, fazia mais coisas. Era a mulher de vários ofícios: limpezas e alcatroamento de estradas, criação de valetas com picareta… No final da tarde, lavava a cara com gasóleo para sair o alcatrão, pois ainda ia para a escola tirar um curso de costura que durou 6 meses. Entretanto, como éramos só duas raparigas, o Município transferiu-nos para outra função: responsáveis da limpeza das escolas primárias do concelho. Apesar de tudo, sempre era mais fácil do que as outras tarefas.

Nesse momento, germina uma ideia na sua mente…
(Entusiasmada) Arranjar a casa onde vivíamos! Quando o meu pai faleceu, ficou tudo parado. Na altura, tínhamos algum material, só que teve de ser usado por outras pessoas uma vez que ficamos sem nada. Então, reagi. Não podíamos baixar os braços. A casa era muito velhinha, tinha três divisões em madeira, dois quartos pegados e uma cozinha. As condições de habitabilidade eram más. Estava na hora de começar aquilo que o meu pai não tinha podido acabar.

(A minha casa na terra - foto cedido pela própria)

Aí, arregaçou as mangas e mãos à obra!
(Orgulhosa) Fui falar com o actual presidente da Câmara e pedi ajuda. Contei-lhe a nossa história e como vivíamos. O resultado foi positivo: respondeu que ia fazer tudo o que pudesse. Cheguei a casa, reuni os meus irmãos e mãe para dar a boa nova! A minha mãe começou a chorar com medo de não conseguirmos. Tranquilizei: «Mãe, vais ver que ainda vamos ter um quarto para os manos e outro para nós e uma casa de banho decente!». A casa velha foi deitada abaixo e fomos morar para a garagem de um tio. À noite, os meus irmãos iam dormir para o sótão de outro familiar. As obras iniciaram e todas as pessoas da aldeia ajudaram. A Câmara cedeu transportes para acartar o material e funcionários ao sábado para a cofragem das placas. Simultaneamente, soube de uma instituição americana que dava apoio material. Assim pedi auxílio e foi-nos oferecido azulejos, mosaicos para o chão e louças para a casa de banho.

Foi uma fase angustiante, não?
(Séria) Quando o meu pai morreu a minha irmã já estava casada e vivia em Lisboa, no entanto, dávamo-nos (e damo-nos) todos muito bem. Daí, o meu irmão mais velho e eu trabalhávamos para pagar as letras metidas ao banco para as despesas de pedreiros. O do meio dedicava o seu salário a alimentação da família e o mais novo estava na obra da casa. A minha mãe fazia o que podia. O meu marido, na altura namorado, fez toda a instalação eléctrica. A minha irmã deu as portas interiores da casa e todos os anos em Agosto lá nos encontrava. Por isso, durante o ano, estamos várias vezes juntos. Confesso que com 16 anos foi um fardo pesado para mim. Não queria preocupar a minha doce mãe. Passei algumas noites sem dormir a pensar como pagar os gastos de material, mão-de-obra, gerir o dinheiro porque tinha de ser bem dividido. Graças a Deus, nada ficamos a dever a ninguém, a não ser a nossa gratidão pela ajuda, mas isso não se paga!

Na próxima 4ª, saiba mais sobre essa beirã e a sua aldeia, ambas exemplos a seguir.

4 comentários:

Helena Teixeira disse...

Adorei a minha amiga Eugénia!É uma grande Mulher :) Felicidades!

Jocas enormes
Lena

Anónimo disse...

Muito empolgante a história da Eugénia.Uma tia minha teve uma sina parecida.Estou em pulgas para ler o resto da história.

Beijos
Liliana Rito

Daiane Almeida disse...

Olá !
estive ausente por um tempo da blogosfera :) mas já estou de volta e, estou maravilhada com suas
postagens. Inclusive, esse relato sobre a Eugénia é cantivante. A história de vida dela, é muito parecida com diversas pessoas... principalmente as nordestinas daqui do Brasil.

meus parabéns, a ela e a todas as pessoas que nunca perdem a fé, frente as situações dificeis da vida !!


um grande abraço,

Atenciosamente,
Daiane Almeida.

Unknown disse...

Esta história dava uma novela.
Que vida dura e que sorriso tão bonito.

Hoje é o dia do beijo.
Beijo para todas as mulheres beirãs que nunca se cansam nem esmorecem.
Manuela