quarta-feira, 29 de julho de 2009

PAÍSES DIFERENTES, UM SÓ AMOR: PORTUGAL BEIRÃO - Parte 2

Viry Châtillon
(Imagem retirada da internet)
Porém, as novidades continuaram: uma nova mudança de Pinay para Viry Châtillon, um irmão e um marido. “Pela primeira vez na vida, fomos morar para um apartamento no qual tive direito a um quarto só para mim. Tinha 14 anos. O meu irmão nasceu e tomei conta dele. Nesse mesmo período, conheci o meu marido. A mãe dele frequentava a casa dos meus tios e dizia que eu havia de casar com o filho dela. Ele veio lá passar as férias e ficámos amigos nesse verão. Incentivada por uma amiga, mandei-lhe cartas, meio pelo qual começamos a namorar e víamo-nos nas férias”. Entretanto, os estudos prosseguem e terminam num curso profissional de contabilidade.
Aos 20 anos, casa-se em Portugal e toma a decisão em conjunto de ficar e criar um negócio na Mêda. Dois anos depois, nasce a sua primeira menina. O supermercado permanece com êxito durante quatro anos. A concorrência dita o seu fecho. Emigram novamente com o intuito de dar o melhor à filha. “Queríamos dar-lhe um bom futuro e para isso tive de a deixar com os avós durante um ano. Foi muito complicado para as duas. Ela ainda tem mágoa e vê os avós como pais”. Na altura, Maria de Fátima sofreu tanto com a distância que chegou a pensar que estava grávida durante 3 meses. Daí, hoje aconselha as outras pessoas a não fazerem o mesmo. “É uma dor que nos acompanha para o resto da nossa vida. Digo a toda a gente para não deixarem nunca os filhos”.

(imagem retirada da internet)
Em França, está apenas desempregada duas semanas e começa a trabalhar numa empresa de limpezas. Sucede-se uma fábrica de embalagens e ao mesmo tempo limpezas de escritórios e um armazém de frutas e legumes onde tem a função principal de caixa. Por fim, escolhe trabalhar apenas nas limpezas a casas particulares nas quais está até hoje. Porque trabalha tanto? O marido portador de incapacidade recebia uma pensão de invalidez que não chegava obviamente para tudo. Após ter um emprego fixo, decide trazer a filha e opta por comprar uma casa. “Queríamos uma casa nossa. E um ano e meio depois nasce a minha segunda filha”.

Sendo uma mulher de armas a quem “o trabalho nunca pôs medo”, tinha um lema: “A vida dum casal é quase como uma empresa, é preciso gerir tudo”. Maria trabalhava fora e o marido ficava encarregue de tratar da casa, do jardim, dos animais (coelhos e galinhas) e das filhas.
Actualmente, passa as férias do mês de Julho em Portugal e só tem um desejo: regressar de vez e descansar devidamente. “Acabar a minha vida em França, nem pensar. Quero aproveitar a minha casa na Beira e, de preferência, antes da reforma”. E remata, “sou uma mulher feliz, pois apesar da minha vida ter sido dura, realizei um sonho de infância: casar, ter filhos e sentir-me útil”.

quarta-feira, 22 de julho de 2009

Olá amigas e amigos!

Desta vez temos duas novidades para vos colocar a par.

Na postagem anterior o espaço é dedicado a uma mulher de armas, por sinal minha prima, que aceitou o desafio de partilhar connosco a sua experiência de vida ao longo dos seus 42 anos . Entrevistei-a na minha casa, aproveitando o facto de se encontrar de férias em Portugal. Ao longo da conversa, emocionou-se imenso, pois recordou todos os momentos bons e menos bons da sua vida. Por motivos pessoais, pediu para não publicarmos o seu nome verdadeiro, nem a sua imagem. Para respeitar o seu desejo, a entrevista será apresentada com um nome fictício de Maria de Fátima.

A outra novidade, é que tenho uma mulher , também Beirã ,que aceitou fazer parte deste clube, como redactora, uma vez que é Jornalista e tem todo o gosto em contribuir com o seu talento.
Essa mulher é a Helena, que escreve a entrevista que gravei com a Maria de Fátima.

Tratem bem destas duas novas flores, nos comentários que fizerem!

E já agora, apropósito de flores, se puderem espreitem depois na Aldeia da minha vida, esculturas de flores em melancia!

PAÍSES DIFERENTES, UM SÓ AMOR: PORTUGAL BEIRÃO

É uma mulher genuinamente beirã que saltitou desde muito nova entre dois países, mas nunca esqueceu as suas raízes.

Maria de Fátima (nome fictício), nasceu na pequena aldeia de Sequeiros, concelho da Mêda. “Era uma casinha velha no fundo do povo. A minha irmã e eu andávamos no campo e nas terras, em liberdade”. Maria é a mais velha de quatro crianças: uma irmã nascida em Portugal, e mais dois: uma rapariga e um rapaz nascidos em França. O pai era jardineiro e a mãe empregada doméstica.


Mapa concelho de Mêda,(freguesia do Poço do Canto-Sequeiros)
Imagem retirada da internet

Após emigrar um ano para esse país, o pai veio buscar o resto da família e a partir daí começou uma infância algo atribulada. “Tinha 3 anos, fizemos a viagem de comboio. Fiquei muito admirada com o comboio, porque nunca tinha visto nenhum, e com as paisagens” exclama Maria. Na altura, eram muitos os portugueses a cruzarem montes e vales para passarem a fronteira espanhola, a fim de não serem apanhados sem papéis… e correrem o risco de serem mandados de volta à Portugal. “Houve um momento em que a minha mãe ficou aflita porque um guarda espanhol estava a brincar comigo e ela teve medo que eu falasse português e ele nos mandasse para trás”.

Região do Rhône-Alpes onde está localizada a vila de Pinay
Imagem retirada da Internet

Em território gaulês, estiveram na localidade de Pinay, no princípio numa caravana e depois numa casa com jardim. Maria sorri, “foi a primeira vez que fui ao jardim-de-infância. A escola juntamente com a câmara davam prendas no Natal e assim tive minha primeira boneca”. Ao fim de 6 meses, vão para Monsegne onde vê neve. Ao mesmo tempo que se habitua a nova morada, aprende a cuidar da recém-chegada irmã. “Aos 7 anos, não foi fácil. Nós mudávamos muitas vezes de casa por causa do preço e da duração dos alugueres, do espaço e também por motivos profissionais do meu pai. Entretanto, ajudava em casa e mudava as fraldas à minha irmã ”, relata.
Dois anos depois, os tios tentam convencer os pais a mandarem as meninas para Portugal. Maria concorda contra a vontade, mas impõe uma condição. “Nós não entendíamos porque devíamos ir. Eu só falei para a minha mãe que só aceitava ir se a minha irmã, mais nova do que eu um ano, fosse comigo”. E conseguem, só a mais nova fica junto dos progenitores. E assim foi, as duas seguem viagem e a bebé fica junto dos progenitores. A chegada à Mêda foi um grande choque para ambas. “Fomos entregues a um senhor que não conhecíamos, levou-nos para uma casa que nos era estranha, com pessoas familiares dele, que também desconhecíamos. Isso foi assustador porque durante seis meses pensámos que tínhamos sido abandonadas”, conta muito emocionada e prossegue “ só quando recebemos prendas dos nossos pais, chocolates, bombons, roupa e botas de Inverno é que percebemos que estávamos lá para estudar e não esquecidas”.


Longroiva
Imagem retirada da Internet

Durante 4 anos, em que os pais as visitavam nas férias, dividiram a morada entre duas aldeias Longroiva e Sequeiros e a cidade da Guarda. As recordações de Longroiva são as mais marcantes. “As pessoas eram muito boas. Os jovens vinham brincar connosco e havia lá uma menina, nossa amiga, na mesma situação com os pais emigrados”. Contudo nem tudo eram rosas, naquela época, faltava electricidade, água e não havia televisão. Este contexto gerou uma enorme paixão pela vida no campo. “Convivíamos com as ovelhas, plantávamos tomates num carreirinho. Ainda sinto o cheiro dos tomateiros. Apanhávamos grilos, dávamos-lhes alface e uma casinha. Fazíamos a vindima, ajudávamos nas melancias, via a minha tia a fazer requeijão. Ah! E adorava comer marmelos ácidos!” exclama, rindo. Outra lembrança é a ida à missa todos os domingos, mas uma em particular. “Um soldado tinha falecido e para o funeral dele juntaram todos os alunos da escola com raminhos de mimosa”.
No entanto, acabam por regressar para Pinay (França) junto dos pais. A integração na escola francesa foi a fase mais difícil para uma menina de apenas13 anos. Em Portugal, tinha conquistado a quarta classe e a irmã, com mais custo, a segunda. Em França, obrigaram-na a começar do início. “Eu tinha perdido a noção da língua, mas recuperei tudo aos poucos. Mesmo assim, puseram-me no primeiro ano. Por isso, fiquei muito triste e desanimada ao ser a mais velha no meio de crianças de 6/7 anos. O pior era nas piscinas onde me sentia diferente junto dos pequeninos. Mas depois no mesmo ano, passei duas classes consecutivas”, narra com orgulho.
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Não perca na próxima Quarta-feira, a 2ª parte do testemunho de vida da Maria de Fátima que ainda tem muitas reviravoltas!
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quarta-feira, 15 de julho de 2009

Uma beirã com raízes no Rio Dão (2ª parte)


O post que se segue integra-se na Tertúlia Virtual , a última edição deste ano( que pena!!!).
Desta vez, como o tema proposto é livre, convido todos os tertulianos a mergulhar nas vivências e experiências reais de mulheres genuinas das Beiras, sejam elas da Beira Alta, (que abrange o distrito da Guarda e Viseu), Beira Baixa (do distrito de Castelo Branco) ou da Beira Litoral, (distrito de Aveiro e de Coimbra), províncias do centro de Portugal:


Imagem retirada da internet


Feita esta pequena introdução, apresento a segunda parte do testemunho da Drª Claudia Pino, uma beirã de Aveiro com raízes no Rio Dão, do distrito de Viseu (pode ler aqui a primeira parte do testemunho), que partilha connosco sobre o seu percurso e perspectivas de vida, enquanto mãe, dona de casa, esposa e trabalhadora-estudante.


Como qualquer outra rapariga da sua idade, teve uma vida normal até enfrentar o seu primeiro dilema, na hora de escolher um rumo para o futuro ... o que gostava de ser? Ser enfermeira...? O quê?? Não sabia bem o que queria da vida, mas houve um pequeno incidente que, de certa forma a ajudou a decidir o que fazer daí para a frente: para surpresa sua, chumbou a Fisica e Química, a disciplina que gostava mais, obrigando-a a repetir e a trabalhar, no ano seguinte.


Começou por trabalhar numa empresa de Telecomunicações, de dia e de noite estudava. Concluído o 12º, os estudos deixaram de ter prioridade nesse momento da sua vida, pois gostava do que fazia, tinha estabilidade financeira e, aos 21 anos, casou.

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Como recém casada, tinha um projecto de vida: ser mãe de dois filhos e construir uma casa em Aveiro.
Tinha ela 30 anos quando concretizou esse projecto.
Agora era, trabalhadora, esposa, mãe e dona da sua própria casa.
Poderia bastar para ser feliz, mas sentiu que lhe faltava algo.

Sentiu-se vazia e com vontade de criar novas metas para si própria. Nesse momento exercia funções administrativas num Instituto Público e sentia a necessidade de crescer e de evoluir como pessoa; desenvolvenvolvendo outras tarefas, com um grau de responsabilidade e autonomia maior. Para isso tinha que adquirir qualificações superiores.Sendo o relacionamento interpessoal um dos aspectos importantes do seu trabalho, descobriu a sua verdadeira vocação e decidiu fazer uma Licenciatura em Ciências Sociais.

Passados 12 anos, já sabia o que realmente queria fazer e seguiu em frente com esse novo projecto de vida.
Para isso tinha que ter muita a força de vontade e motivação para assumir alguns sacrifícios que isso implicaria para a sua vida pessoal e principalmente, familiar.

Sacrifícios como: deixar de sair com os amigos à noite; não sair em família aos domingos; deixar de dar toda a a atenção aos filhos na hora que eles pedem para brincar... enfim ter que deixar um pouco "pendurada " a sua família, para poder estudar...

Teve momentos em que o peso da consciência apoderava-se de si... Na hora em que resolvia ir às compras ao supermercado e dava por si a pensar que estaria a perder o seu precioso tempo, quando deveria estar a estudar; ou numa situação inversa, sentia-se igualmente mal consigo própria... Houve muitos momentos em que não se sentia bem de forma nenhuma, mas o que a fazia seguir em frente era concretizar o seu objectivo a que se tinha proposto: concluir a sua licenciatura em 3 anos!


Para isso tinha que ter prioridades, estudar e trabalhar muito. De outra forma seria impossível.






A sua prioridade também passava pela gestão e repartição rigorosa do tempo para todas as tarefas do seu dia-dia: durante o dia trabalhava, ao final da tarde dedicava o seu tempo a cuidar dos seus filhos e ao marido; fazia o jantar, arrumava a cozinha e deitava os meninos. Só a partir das 21 horas dedicava 3 horas para os estudos. Aos fins-de-semana, contava com a ajuda do marido e dos seus pais, que muitas vezes davam uma mãozinha na casa e ajudavam a tomar conta das crianças, para poder estudar.





Esta foi a maior lição de vida que teve: nos tempos que correm uma Mulher não pode enfrentar tudo sozinha. Tem que estar acompanhada e rodeada de pessoas que possam dar apoio, para seguir em frente com um projecto desses.


Só assim foi possível concluir com sucesso a licenciatura!




Concretizada a meta, tinha todas as condições para agarrar as oportunidades profissionais e colocar em prática tudo o que aprendeu.


Na hora e momento certo deu o salto que tanto ambicionava: conseguiu alcançar o trabalho da sua vida, como técnica superior, com o cargo de Gerente numa Instituição Pública em Aveiro!


Só com muito trabalho, dedicação, esforço, motivação e o apoio da família seria possível concretizar este sonho. E este sonho não ficou por aqui! Depois da Licenciatura, agora está a fazer um Mestrado...

Porque vale a pena!

Neste momento considera-se uma Mulher feliz, por ter apostado em si e na sua carreira.

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A Drª Cláudia está de Parabéns! Para agradecer a sua coragem e disponibilidade para partilhar um pouco da sua experiência aqui no Clube, ofereço-lhe este lindo ramos de flores "virtual".

[b]Lembrei de você!
Gifs - Flash - Fotos e Videos Para seu Orkut
Gifs, Flash e vídeos para seu Orkut = www.animaorkut.net


Muito obrigada!

E cá estaremos na próxima 4ª feira com mais uma mulher de coragem para partilhar connosco a sua aventura!

Até lá!

quarta-feira, 8 de julho de 2009

Uma Beirã com raizes no Rio Dão

Esta e a próxima semana o Clube das Mulheres Beirãs dedica este espaço à Drª Claudia Pino, Gerente de um Instituto Público de Aveiro, uma grande mulher com profundas raizes na Beira Interior, que prontamente aceitou o meu convite para partilhar connosco o seu percurso e experiência de vida, como filha de pais beirões,(que iremos agora abordar nesta primeira parte) e como mãe, esposa , dona de casa e profissional de sucesso, face a dilemas que enfrenta no desempenho desses papéis (que será abordada na próxima 4ª feira) no contexto das Beiras.

Marcámos o encontro para uma excelente tarde de Domingo, à beira do Rio Dão, nas Termas de S. Gemil-Tondela (Viseu), onde a Drª Claudia e a sua família gostam de tomar o café aos fins-de-semana e nas férias.
Drª Claudia assume-se como uma mulher beirã , de 38 anos, com ligações profundas à linda terra de Tondela, de onde os seus pais são naturais: o pai é natural de Lobão da Beira e a mãe da Lageosa do Dão, ambas freguesias pertencentes a Tondela, Viseu.

De Tondela tem um especial carinho. Grande parte da sua infância, principalmente durante as férias de Verão, era vivida aí. Era aí que brincava e tinha um contacto extraordinário com a natureza,com o rio, com as pessoas e vivia intensamente as tradições da terra. Ainda hoje faz questão de levar a sua família, sempre que pode, a visitar os amigos, a assistir às festas da terra, como foi o caso deste fim de semana, que houve a Festa do Senhor do Calvário ,na Lageosa do Dão, a terra da sua mãe.



Coisas simples como, o sossego, o relaxe, a calma, o ar puro, os aromas, o ambiente, o clima (seco e quente por natureza no Verão), as tradições e, acima de tudo, as pessoas, a seu ver bastante mais calorosas e próximas de si; são razões suficientes para considerar as terras de Tondela como um lugar de eleição para a sua família se descontrair e aliviar do stresse e da rotina que se vive na cidade.
É um lugar onde nunca se cansam de ir.
Dela carrega memórias que certamente nunca mais se repetirão, como as brincadeiras de menina a saltar pelas lajes, enquanto a mãe e a avó colocavam o milho a secar ao sol, ou a apanha das batatas e das uvas, que comia mais do que colhia... Experiências estas que eram levadas sempre na brincadeira, como qualquer criança da sua idade, sem dar o devido valor à vida que os seus avós levavam no campo.

Ao recordar essas memórias, fica a saudade, o seu reconhecimento e admiração pelos seus avós.
Agora que tem uma experiência de vida, e já não é uma menina, sabe qual foi o verdadeiro significado do campo para os seus avós:

Significava um modo de subsistência, um trabalho árduo de sol a sol. E a verdadeira felicidade!
Podiam trabalhar horas a fio, de sol a sol, com poucos recursos, carregando a pé, com o seu carrinho de mão os produtos da terra, mas eram livres e despreocupados, sem prazos para cumprir, sem stresse. Conseguiam viver uma vida calma, pacata e despreocupada, com tempo para conversar à sombra da parreira, no verão e para trabalhar. Mas viviam felizes!

Sente pena por os seus filhos não terem este privilégio, pois os tempos são outros, assim como o modo de vida mudou. Os seus avós já faleceram e os seus pais trabalharam e vivem em Aveiro.

A sensação que tem ainda hoje, sempre que visita das suas terras e gentes é precisamente o relaxe em que estas vivem mergulhadas.



Na próxima semana iremos saber um pouco mais sobre esta senhora, numa outra vertente, enquanto mãe, esposa, dona de casa e lutadora por uma carreira profissional.

Espero que tenham gostado tanto como eu, de conhecer um pouco das suas vivências.
E até à próxima 4ª feira.

quarta-feira, 1 de julho de 2009

Uma homenagem!

Tive a sorte de cruzar a minha vida com a dela.

Desde que me lembro de ser "gente", ali estava ela, uma figura, , sempre sorridente, carinhosa, com o cabelo negro em poupa que nunca dispensava de um lenço preto a acompanhar a cor da saia , da blusa e da malinha, nas suas saídas à vila. Pequena, magra, com um sorriso a emoldurar os poucos dentes que ainda tinha, fundas eram as rugas do rosto, como uma marca do tempo, da longa, dura e duradoira vida no campo.


Foto retirada da Internet: Fontelonga


Nasceu numa terrinha chamada Fontelonga, uma aldeia por terras de Mêda, distrito da Guarda, numa modesta família camponesa. Contou-me um dia, que era a segunda filha mais velha. Recorda-se de ter outra irmã, que desde muito nova partiu para o Brasil e nunca mais teve notícias dela...

Cresceu no campo e pouco foi o tempo que lidou com as letras, apenas o suficiente para ler e escrever, pelos menos o seu nome. Bordar, costurar, cozinhar, cavar, lavar, passar, cuidar da família, dos animais, das plantas... foi tudo o que aprendeu enquanto moça, o suficiente para ser considerada na terra uma boa moça e "prendada".

Aldeia de Longroiva

Cedo casou e foi viver para a casa do marido, numa Quinta , pertencente à freguesia de Longroiva, do concelho de Mêda. Nessa quinta viviam praticamente todos os irmãos do marido, juntamente com as respectivas famílias. A maioria construídas em granito à maneira beirã , com loja por baixo (para os animais) e balcão para aceder à parte da habitação, no piso superior. Expostas em frente uma das outras, formam uma única rua.



Era do campo que todos tiravam o seu sustento. Cada um tinha a sua hortinha e os seus "prédios",ao longo da Quinta. Produziam vinho, batata, milho, trigo, centeio, azeite e amêndoa. As mulheres tinham um forno comunitário, onde faziam o pão, a bola e os biscoitos. Todos tinham animais, como o macho (cruzamento do burro e o cavalo), galinhas, porcos, ovelhas, cabras e os cães.

O único meio de transporte que tinham era a carroça, puxada pelo macho, mais recentemente, apareceram os tractores para ajudar na lavoura e os veículos que dispensam a carta de condução vulgarmente designados por "papa reformas". Com estes transportes iam, normalmente os homens, à vila às segundas feiras ao mercado, enquanto as mulheres ficavam pela Quinta. Uma vez por semana ia à Quinta o merceeiro vender o que lhes fizesse falta, como o arroz e a massa.

Foi neste contexto que ela aprendeu a viver e a lidar. Com as coisas da casa, do campo, da família., que formou: teve quatro filhos, um dos quais faleceu ainda pequeno. Lá em casa vivia então, o marido, dois rapazes , uma menina e ela, a mãe e a dona da casa.


Cada um com a sua personalidade, fortemente marcada pela cultura beirã, onde o homem é que manda na casa, mesmo sem saber ler nem escrever. Ela esteve sempre lá, nos momentos bons e nos momentos menos bons da família. Pela calada foi o elo da família, o barco que, sábia e discretamente conduzia até ao outro lado do rio.

Fruto da segunda geração dessa família, cruzei a minha vida com ela, desde que nasci.

Ela era a minha avó!
E chamava-se Maria Otilia Canadinhas Falhas.
Chamava-se porque já não está presente entre nós, faz muito pouco tempo.

Memórias como...
... a chegada à Quinta, de carro, com o cão a correr atrás de nós para dar as boas vindas e ver a sua alegria rasgada no rosto, em frente à lareira, onde cozinhava o jantar nas suas panelas de ferro e ouvir a frase: " Oh minha filha, estás tão magrinha! Tens que comer! Come o pão! Come biscoitinhos da avó!"

Foto de recriação de um almoço à moda antiga: Com uma fogueira e panelas de ferro

Memórias como...

aquele dia em que cheguei e estava fazer as suas farinheiras, depois da matança do porco e noutro em que estava a fazer o queijo da cabra...
Foto de recriação : uma senhora a fazer o queijo da cabra, à moda antiga



Memórias como...


... aqueles dias em que nos reuniamos no campo para semear e arrancar batatas, colher as uvas nas vindimas, ou simplesmente para ir à horta, colher as alfaces, os tomates e as frutas da época...


...a apresentação dos dois bisnetos... a alegria sempre que os vê... e a sua persistência em oferecer o pouco dinheiro que tinha, debaixo das barbas do avô, aos netos e bisnetos...



Memórias como aquele último dia que a vi... no funeral do meu avô, em que me disse:

" o avô, coitado lá foi, já não podia com o sofrimento, só chamava por mim, durante a noite"


Nesse dia , a última vez que a vi, vi uma mulher sofrida com uma última convicção e desejo em honra do meu avô: ver cumprida uma tradição, que era oferecer aos pobres a roupa dele, da seguinte forma:


" a pessoa tinha que ir à quinta, a casa do falecido avô, para vestir a roupa completa, da cabeça aos pés e deixar para trás a roupa que tinha no corpo."


Essa tradição cumpriu-se.
Passados particamente três meses de viuvez, ela deixou-nos surprendidos com a sua partida. Foram 80 anos de vida que ela contou.

Em homenagem a ela escrevo e partilho com quem quiser ler sobre esta Mulher, que foi genuinamente beirã durante toda a sua vida, por sinal é a minha avó.





Esta foi a última fotografia que tirámos aos meus avós, uma semana antes do Carnaval, deste ano.



Descansem em paz
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Tal como a minha avó, existem e existiram tantas outras, com vidas idênticas à sua.



Esta também é uma homenagem a todas elas!