quarta-feira, 27 de janeiro de 2010

UMA POSTURA FORTE E DETERMINADA DE ESTAR NA VIDA E NA DOENÇA (1ª Parte)



Luísa Silvestre

Até aos 11 anos, uma menina chamada Luísa Silvestre, viveu muito feliz. Ela era a mais nova de três irmãos (dois rapazes e uma rapariga). Moravam na linda cidade beirã de Gouveia, onde nasceu. Tinham uma casa com quintal, onde brincavam alegremente, enquanto os feitores tomavam conta do eiró. O pai era guarda nacional republicano e tinha imensos passatempos: electricidade, carpintaria, bricolage… Luísa nutria por ele uma grande admiração, seguindo-o para todo o lado. “Aprendi muito com ele. Adquiri 99,9% da sua personalidade. Deu-me uma postura forte, uma forma de estar, um andar. Na rua, as pessoas costumam-me dizer: «Vai ali uma tropa».
Ele gostava da ordem, da organização e do serviço bem feito em todos os níveis. Graças a isso, sou assim bem orientada, crescendo diariamente e sem me arrepender das coisas que faço”, afirma com convicção e orgulho. Por isso, aquando a sua morte devido a uma embolia cerebral aos 51 anos, o mundo da jovem desmorona-se. Um ano depois, outra tragédia: um dos irmãos, aviador, tem um acidente fatal. O outro irmão, jovem militar, decide regressar para o Continente. Mais uma desgraça: um incidente deixa-o paralisado durante dois anos. Luísa arregaça as mangas e torna-se o sustento da casa. “Estudava e trabalhava ao mesmo tempo. Ajudava a minha mãe e o meu irmão. A minha irmã não podia porque tinha marido e filhos e estava mais longe. O falecimento do meu pai custou-me imenso. Demorei cerca de 20 anos a digerir.”, sussurra com um nó na garganta.

Aos 15 anos, vai viver para Viseu. Continua a apoiar o lar, a estudar e a trabalhar como telefonista na empresa Volter. “Era uma menina ingénua, sem saber o que era a vida, o movimento, os carros. Gouveia era uma vila adorável e pouco movimentada em relação a Viseu. Por isso, o trabalho trouxe-me aberturas e crescimento. Fazia quilómetros a pé, a correr de casa para o trabalho e para a escola. Como morava na estrada de Nelas e vinha a meia-noite para casa, vestia-me como um homem para me sentir mais segura”, relata, lembrando-se das correrias e da ausência total de vida pessoal. Dez anos depois, despede-se e parte trabalhar para Leiria durante meio ano. Regressa a Viseu em 1984, empregando-se como contabilista numa firma de construção civil. De repente, surge a doença que a põe 3 anos de baixa até a reforma definitiva.


(Imagem retirada da Internet)
O ano de 2004 estava a ser pautado por momentos de stress intenso. A saúde da própria mãe era trémula e as divergências no emprego aumentavam. O seu sistema nervoso ressentia-se. Luísa começa a ter fortes dores nas costas, mas atribua-as ao cansaço. No entanto, após voltar de férias em Julho, a mãe falece. Numa visita regular ao ginecologista, é aconselhada a fazer uma mamografia, que adia para Outubro. Contudo, as dores permanecem. Numa noite, decide entender de vez o que sente. “Comecei a fazer a apalpação manual e nada. Deitei-me em cima da cama e aí, com o peito achatado, notei uma bola oval. Falei logo para mim própria – tens o cancro da Mama”, recorda. Nessa noite, Luísa não chora, não dramatiza, nem dorme. Toma resoluções: os passos a seguir no dia seguinte. Depois do trabalho, dirige-se ao médico, marca exames e passa até na consulta de obstetrícia do Hospital S. Teotónio de Viseu. Entretanto, informa-se sobre o cancro da mama, junto de um amigo médico. Quando chega a altura dos resultados dos exames, Luísa já sabe perfeitamente que tem cancro, o que lhe vai acontecer, os tratamentos a fazer e as consequências. E exclama uma pergunta pertinente ao médico: “Tenho aí uma linda flor, Doutor. Eu, vegetariana e desportista, saudável e nada de hereditários, diga-me se não é derivado ao sistema nervoso e ao tabaco de 90 cigarros por dia que fumam no meu escritório?”. No hospital, a doutora estranha a reacção passiva da paciente. Luísa estava serena e apenas queria ser tratada. “Admirou-se por eu não me desfazer em lágrimas ou pior. Não sou assim. Sou só consciente e objectiva”, declara.

Após vários exames em Viseu e em Coimbra, prepara algumas bagagens e parte para Lisboa para estar perto da família e seguir lá os tratamentos. Porém, arrepende-se. A família apoiava-a, mas os profissionais da área hospitalar não. Era apenas mais um corpo doente, no meio de tantos outros. As informações eram inexistentes, assim como os cuidados psicológicos para com os pacientes. Por conta própria, Luísa vai a dois psicólogos e a um médico naturista. No hospital, requer uma ressonância magnética que lhe é negada.

Veremos na próxima 4ª, a postura tomada por Luísa e o seu papel no apoio a outras mulheres…

quarta-feira, 20 de janeiro de 2010

“A MINHA TERRA MERECE TER TUDO!” (2ª Parte)





Com apenas 36 anos e de regresso à terra que a viu nascer, ela apercebe-se que contrariamente ao alucinante ritmo de trabalho americano, a pacata aldeia de Linhares da Beira precisa de um valente abanão. “Lá, ganhava-se 100 a 150 contos por dia. Chegada aqui, pensei: Não há nada. Vou prosseguir com a minha paixão e abrir um cabeleireiro. Contudo, com duas a três clientes por dia, não dava nem para comer, nem para pagar as facturas de casa”, reconhece. Por isso, foi matutando ideias e resoluções. Por o seu lado, o marido teve no cargo de Presidente da Junta durante 7 anos. Maria, entretanto, começou por fazer camisolas e daí a estabelecer um pronto-a-vestir, foi um ápice. Enquanto Zeca consegue um médico para a aldeia, Maria já traça outros objectivos para trazer vida para a sua amada povoação. Com dote para a confecção de produtos regionais (enchidos, pão de centeio, bolo de ovos…), implanta uma loja de artesanato com um espaço contíguo para talho. Paralelamente, aproveita o programa Líder I para um projecto de restauração da casa da avó. Eis que nasce a sua casa de Turismo.
“Estes cinco locais de trabalho eram o meu orgulho. Quis arriscar em prol de Linhares, fazer mexer esta aldeia histórica. Trabalhava arduamente, mal dormia. A minha agenda tinha uma organização impecável e implacável. Era saudável e lutadora. Não queria tudo para mim, queria e quero tudo para a minha terra”, define com um olhar determinado e sincero. E acrescenta, “as coisas puxavam as outras. O simples facto de atrair gente para cá, encantava-me. Era um sonho realizado no qual via desenvolver-se a terra que eu amo”. Esta beirã tem um coração enorme e lá também cabe o resto da região. Dois exemplos: o Rancho Folclórico de Linhares da Beira que reavivou e os serviços gratuitos de cabeleireira que prestou em 4 lares: Celorico da Beira, Folgosinho, Gouveia e Ribamondego.


Casa da Pissara
(Imagem retirada da Internet)

Fundadora do conceito das Aldeias Históricas de Portugal (AHP), Isabel Boura, apercebeu-se logo desse forte sentimento que unia Maria do Rosário e Linhares da Beira. Convida-a então a ser sócia da Associação das AHP, tornando-se assim presença assídua nas reuniões da mesma. A linharense podia assim expor os problemas da zona, as suas ideias e soluções de crescimento, entre outros pontos. Actualmente, por motivos de saúde, está mais por casa. Teve de abdicar das idas às reuniões e ficou apenas com a casa de Turismo e o comércio do artesanato. “As minhas pernas e mãos não dariam conta do recado. São muitas dores para me deslocar”, refere com tristeza.

No entanto, Maria do Rosário acalenta ainda dois sonhos muito queridos: uma cooperativa de lacticínios ou queijaria artesanal e a recuperação dos moinhos da região. “Temos bons pastores e óptimos queijos. Aí, seria tudo feito manualmente, bem organizado, higiénico, desde a produção e o fabrico até à venda. Haveria um espaço envidraçado para as visitas guiadas. Com os moinhos, seria a mesma coisa: recuperá-lo, moer, fazer o pão e vendê-lo no próprio local”, exprime fervilhando de alegria.
E remata com um feito que pretende ver repetido novamente. “Consegui um curso de bordados administrado por Isaura Alves, de Viseu. As senhoras de Linhares juntaram-se num grupinho e cada uma contribuiu financeiramente. No final, ficamos todas encantadas. Daí, gostaria muito que essa iniciativa se repetisse. Já me dirigi ao Município de Celorico da Beira para obter apoios, mas nada. Contudo, irei tentar de novo”.




quarta-feira, 13 de janeiro de 2010

“A MINHA TERRA MERECE TER TUDO!” (1ª Parte)


(Foto da Olho de Turista)

Através dos olhos de Maria do Rosário Pires, olhamos para a paisagem a perder de vista do alto do Castelo de Linhares da Beira. Esta filha da terra cresceu numa casa de lavoura. Pequena, ia da escola para a casa dos avós, sempre a cantarolar. Ajudava o avô a cuidar das ovelhas e dos bois. Acaba a quarta classe com dois desejos: ser costureira ou cabeleireira.

No entanto, os seus pais optam por emigrar, levando a família. Aos 15 anos, Maria atravessa um oceano para bem longe da sua aldeia natal. Tal como os nossos antepassados, a jovem sente-se pronta a conquistar estes solos desconhecidos, chamados Estados Unidos da América. A tia tinha incentivado o seu pai a tentar a vida naquele país. A adolescente não queria nada ir; gostava da sua vida em Linhares da Beira. Os primeiros tempos de adaptação decorrem suavemente, pois “em qualquer parte do Mundo, há sempre um português da nossa zona, com filhos da nossa idade. Isso ajuda a ambientar-nos. Depois cria-se um grupo de amigos com o qual ia a jogos de futebol, a bailaricos ou comer hambúrgueres. Todos se tornam muito unidos.”, revela Maria.

No início, começa a trabalhar numa fábrica. Mas ela quer ir mais além na vida, voar com asas adquiridas com trabalho físico e mental. Essa oportunidade aparece-lhe no curso de cabeleireira. “Na fábrica, conheci uma moça que frequentava um curso de cabeleireira. Ainda pensei em desistir por só ter a 4ª classe. Porém, decidi falar com ela. Informei-me e inscrevi-me. Como paguei 500 dólares pela inscrição, quando cheguei a casa, o meu pai desafiou-me: «Menina, se começas, é bom que acabes»”, conta com ar sério. Munida de um livro de uma enorme espessura, sem entender correctamente toda a língua americana, a jovem estuda a “medicina do cabelo”. “Só estava há um ano nos EUA, por isso a teoria era difícil para mim. Tínhamos muito para aprender: desde os poros da pele aos pigmentos e até aos ossos do queixo. Ultrapassei várias barreiras e finalmente consegui”, confessa orgulhosa.


(Imagem retirada da Internet)

Esta mulher de 59 anos é uma apaixonada pela arte de ser cabeleireira. Após trabalhar 6 anos por conta de outrem, abre o seu próprio estabelecimento. “Sempre trabalhei com o coração em tudo. Arranjava os cabelos, criava, moldava e tratava. Era o que mais gostava de fazer o dia todo”, comprova, triste por actualmente a saúde não lho permitir. Mas antes, casa-se com um transmontano de Chaves. “Casei em 1972 com o meu Zeca. O mais engraçado foi que a mãe e a tia dele eram minhas clientes. Digo na brincadeira que a minha sogra me lançou um feitiço debaixo do secador dizendo que eu seria jeitosa para o filho; a tia exclamou logo no salão que o sobrinho seria perfeito para mim. Acertaram”. Enamorada, recorda como se fosse ontem o dia em que conheceu o marido com quem viria a ter dois meninos (hoje adultos). E é pelo “seu Zeca” que regressa a Portugal. Nos EUA, o marido sofria muitas vezes de crises de ansiedade. Os médicos americanos pesquisaram, fizeram exames e nada encontraram a nível físico. Até que um deles aconselha o casal a ir de férias para Portugal e aproveitá-las bem. Dito e feito. Em Portugal, Zeca anda diariamente com uma saúde de ferro. “Nem pensei duas vezes. Vendi a casa, o salão, tudo. Peguei no marido, filhos e um contentor com o que queria trazer para Portugal. Diziam-me: «Estás doida. Tens uma vida com uma mina de ouro nos EUA. Mãos de fada para os cabelos com 70 a 80 clientes que passam por elas por semana. Que vais fazer para Portugal? Tosquiar ovelhas?». Eu respondia que se tivesse de ser, fá-lo-ia…”, expõe com convicção Maria do Rosário.

Descubra na próxima quarta-feira o que fez Maria do Rosário quando chegou em terras lusas…

quarta-feira, 6 de janeiro de 2010

A IMPORTÂNCIA DA ARTE DE BEM VESTIR (2ª parte)

(Foto cedida por Francisca dos Prazeres)

Francisca começa por estranhar o modo de vida viseense e as pessoas. Vinham do Porto e lá tudo era diferente. Divertida, a modista conta-nos o episódio das calças. “Há 40 anos, os portuenses já usavam calças. Em Viseu, não. Ao chegar, eu vestia calças e a minha filha também. Todos olharam para nós e ouvia-se burburinhos. Dois anos depois, havia menos censura e a moda difundiu-se”. Desde então, a terra de Viriato torna-se mais bonita aos seus olhos. Quase a festejar 40 anos de vida em Viseu, Francisca sente-se totalmente beirã. “Habituei-me as pessoas. A cidade evoluiu. Aprecio a sua estrutura organizada. Os nossos dois grandes centros comerciais (Fórum e Palácio de Gelo) têm um aspecto arranjado, montras fantásticas”, exemplifica. Após o período de adaptação, retoma o atelier de costura caseiro com 7 empregadas. Trabalhava intensamente, quase de sol a sol e mal dormia. Era um frenesim constante. O pronto-a-vestir era algo desconhecido e as pessoas gostavam de vestir por medida. “Quem entrava no meu atelier, escolhia os figurinos ou traziam ideias. Muitas emigrantes pediam vestidos de noiva. Os trabalhos eram minuciosos, tudo feito meticulosamente. Também costurei para a loja dos Lanifícios e de pronto-a-vestir”, relata com orgulho.
Porém, os problemas de saúde surgem, obrigando-a a abrandar o ritmo de trabalho. Operação à vista e ao útero, problemas de ossos e estômago e um cancro da mama foram os principais obstáculos ultrapassados. “Sempre pressenti que tinha cancro da mama. Mas preferi calar essa voz dentro de mim e deixei andar. Aquando a minha operação ao útero (descaiu), o médico descobriu que eu tinha cancro. Fiz quimioterapia e radioterapia, até chegar a cirurgia onde me retiraram o peito esquerdo aos 77 anos”, narra com tranquilidade. Francisca é uma mulher de fibra, sem medo da morte nem de outra coisa, encara a vida com tranquilidade e “genica”. Desde nova, o gosto pela beleza e por uma aparência cuidada permanecem fortemente enraizadas nela. Isso reflete-se no seu quotidiano, recebendo elogios constantes. “Eu ia ao hospital muito bem arranjada. As enfermeiras diziam-me sempre (ainda hoje nas consultas de rotina): «está tão graciosa hoje. Foi a senhora que fez o seu vestido, vê-se logo. Aí outro tão lindo. Não sabemos qual dos seus fatos o mais bonito». Isso dava-me alento. Nem sequer sentia dor nas sessões de quimioterapia. Enfrentei as doenças com naturalidade, animando-me sempre com as minhas roupas e costura.”, enfatiza esta maravilhosa avó.

(Imagem retirada da Internet)

Actualmente, Francisca continua a ser uma “bonequinha”, como lhe chama carinhosamente a neta. “Porque ir para a rua desleixada, se posso fazê-lo bem composta. Mesmo para ir comprar pão ou deitar o lixo fora, vou bem bonita”, confessa com um sorriso amoroso. Em casa, o processo é o mesmo: gosta de limpo e no lugar certo. Esta menina de 81 anos até faz sempre questão de mostrar todos os compartimentos do seu apartamento, às visitas. Acreditamos que essa faceta não seja vaidade, mas Amor à arte de bem vestir e bem receber. “Gosto de estar bem vestida, penteada e maquilhada. A minha casa também tem de reflectir isso. A apresentação, seja na roupa ou na casa, dá outro aspecto. Hoje, ninguém se arranja como antigamente”, e acrescenta, “Achava engraçado nascer de novo neste século, para experimentar as liberdades, a maneira diferente de trajar, e os à-vontades no namoro”, manifesta com uma risada sonora.
Ao longo da sua vida, Francisca reconhece ter tido um misto de momentos de tristeza e de felicidade. No entanto, todos admitem que ela mantém inalterável a sua enorme vontade de viver e o empenho em tudo o que faz. “Diariamente, levo a vida tranquilamente, com muita paz de espírito. Costura? Ainda faço, claro, para a família. Sobretudo fatos e vestidos para festas mais solenes”, concluiu, agradecendo gentilmente a visita e convidando a repeti-la mais vezes.