quarta-feira, 25 de novembro de 2009

PORTUGAL NASCEU NA BEIRA (parte 2)

Quadro: "A Criança na Sociedade"

Esse apelo artístico é tão forte que a leva a procurar uma galeria. De início, pintava em casa no pouco tempo que lhe restava, após longos dias de trabalho. “Aproveitava e inovava com a mistura de materiais. Encontrava e transformava vidro, panos, croché, fotografias e pintura. Conseguia dominar várias práticas”, exemplifica. Num momento, sente-se presa em casa, sem espaço. “Mais do que expor o meu trabalho, queria um lugar só meu, que fosse o meu mundo para me esquecer e escapar de tudo”, segreda. No Atelier do nº 10 da Avenida Eng. Engrácia Carrilho, Licínia não só mostra e vende as suas obras, como também expõe a de amigos e conhecidos, e troca quadros com outros artistas. A pintora tem igualmente um vasto leque de exposições individuais e colectivas em várias entidades camarárias, turísticas, hoteleiras e culturais. Eis algumas das localidades por onde já passou em Portugal: Coimbra, Figueira da Foz, Góis, Luso, Mangualde, Mortágua, Nelas, Porto, São João da Pesqueira, Sátão, Viseu e Vouzela. E no estrangeiro, em Espanha: Oroso (Corunha), Ciudad de Rodrigo (Salamanca) e Aranda del Duero (Burgos).
Contudo, descobrimos que a sede de conhecimento de Licínia pelas Artes vai muito mais além da Pintura. Frequentou não um, mas quatro cursos na Universidade Sénior. “Primeiro, estive em Direito para alargar os meus saberes em leis. Depois, cursei Inglês por ser uma língua fundamental actualmente. Em terceiro lugar, Literatura, um amor nutrido há muitos anos e que me valoriza a alma. E por fim, Agricultura/Jardinagem por ser uma área com a qual tenho uma ligação materna muito forte. E também por não ter a certeza de ter para sempre a possibilidade de continuar a exercer a minha profissão”, relata efusivamente. Desse modo, Licínia não ficou inactiva e fugiu ao Sedentarismo. Todos os cursos aprendidos mantêm-se vivos no seu corpo e na sua mente. “A agricultura e a pintura são dois dos passatempos que me exercitam muito. Diariamente, impregno-me deles. As minhas filhas puxam-me, comprando-me livros para eu explorar”, acrescenta. Talvez por essa união familiar e o seu intenso sentimento humano, se vislumbra em todas as suas obras, uma cara. Considerando já esse facto como uma característica sua. “Há sempre uma espécie de rosto, uma presença humano. É um pouco como se a minha pintura estivesse fortemente ligada a minha profissão”, comprova, apontando para o canto de um dos seus quadros.

(Quadro de Licínia Portugal - imagem tirada da Internet)

Mas a artista, mesmo com 74 anos bem vividos, tem sonhos. Um já realizou: foi admitida no Museu Serralves. “Já era membro da “ARA”, um grupo espanhol de pintores. Porém, a minha maior alegria foi receber o cartãozinho com o meu nome e a inscrição «artista nº 424» do Museu Serralves”. Agora restam-lhe dois desejos: o primeiro é ver crescer a sua neta de 6 anos e o segundo é expor no Museu Serralves.
Se quiser ver as pinturas de Licínia Portugal, dirija-se até ao Auditório Carlos Paredes, em Vila Nova de Paiva, até dia 30 de Novembro.
Se por coincidência, percorrer os Caminhos de Santiago, talvez tenha a oportunidade de ver o quadro com o qual a autora vai participar. A exposição “Caminhos de Santiago” vai estar patente em diversos locais chave de Portugal e Espanha.

quarta-feira, 18 de novembro de 2009

PORTUGAL NASCEU NA BEIRA (parte 1)


Licínia Portugal é um nome sonante, fica na mente. É nome de País, terra e gente. Nascida em Cortegaça (Concelho de Mortágua), em 1935, com uma veia artística e outra humana, sempre viveu para os outros e é isso que a fez mover montanhas e pegar no pincel. Pois, Licínia é pintora, mas não só. Apesar da mãe se dedicar à agricultura, os avós e o pai eram industriais na área da madeira. Isso permitiu um grau de escolaridade mais elevado aos 3 filhos do casal (duas meninas e um rapaz). “Gostava muito de pintar, mas não se podia viver das Artes. Então, pensei em Medicina. Contudo, não conseguia lidar com a ideia de não conseguir salvar uma pessoa. Acabei por optar por Farmácia. Da pequena escola de Cortegaça, passeie por Mortágua, Viseu, Coimbra e acabei por me licenciar no Porto em 1959”, conta orgulhosa.
A partir daí, tornou-se uma mulher extremamente dedicada ao trabalho. Dia e noite, nunca parava. Primeiro, foi professora de Ciências Naturais e directora no “Colégio Português” (actual sede da Santa Casa da Misericórdia de Viseu). Na mesma altura, deu o nome a uma farmácia onde trabalhava algumas horas por dia. Esteve alguns tempos no Sanatório de Abraveses (que acabou por fechar) e 18 anos no Dispensário Antituberculoso. De seguida, ingressa para o Centro de Saúde da Sub-Região de Viseu, e finalmente, é escolhida para o Gabinete de Assuntos Farmacêuticos. Todos estes anos, Licínia esteve intensamente ligada ao ramo laboratorial e farmacêutico. Empenhou-se a 100% em análises, inspecções a farmácias e armazéns de medicamentos, entre outras funções. Ainda hoje, é técnica responsável de medicamentos farmacêuticos na AgroViseu. Paralelamente, acalentou o desejo de ter a sua própria farmácia. No entanto, não se concretizou. O marido veio a falecer aos 47 anos num acidente de viação e o sonho esfumou-se.

(Auto-Retrato)

Após residir alguns anos em Mortágua e Tondela, muda-se definitivamente para Viseu, cidade que ama de paixão. Já adulta, a jovem nunca deixou de desenhar, pintar, rabiscar… “Era muito boa aluna a desenho. E desde pequena, gostava de pintar e fazia pequenas coisas em aguarela. Em 1974, comecei mesmo a dar mais de mim à Pintura”, revela. Uma amiga ajudou-a no processo de aprendizagem de certas técnicas, na abordagem de materiais como o barro, etc. “Aos 39 anos, empenhei-me a sério. Sou autodidacta. Aconselharam-me a tirar fotografias, a aprofundar o meu dom, a grande sensibilidade artística que tinha. Assim fiz: comprei livros, fui a exposições…”, explica segura de si. E até aos familiares mais próximos, a artista incentivou o gosto pelas Artes. “Tenho 3 filhas e 6 netos. Tive a preocupação de incutir a todos o prazer das artes, da pintura, do desenho”, confessa com paixão.

Veremos na 2ª parte como a Licínia partilha com todos o seu amor pelas Artes...

quarta-feira, 11 de novembro de 2009

E CONSEGUI VIRÁ-LA. (2ª parte)

Segundo Anabela, a parte mais dura física e psicologicamente não aconteceu só na fase do conhecimento da doença, mas sobretudo após a mastectomia (remoção completa da mama). “Para uma jovem, ver-se sem um peito é uma mutilação muito grande. Só dá valor quem passa por isso. Digo muito que a nossa vida é como um livro. Rasguei uma página ao meio e consegui virá-la”, sublinha. A jovem de 34 anos apenas encarou uma vez a “ausência” de peito. Logo a seguir a operação, pediu à enfermeira se podia observar o seu estado. “Aguentei e vi. A partir dali, usei sempre o sutiã de prótese como forma de não pensar mais nisso. Só tirava no banho. Se me levantasse sem, era um dia desanimada e devastada porque voltava a realidade de não ter ali o meu peito”, explica. Quanto ao marido, Anabela preferiu não mostrar porque queria que “ele guardasse a imagem dela antes e não de coitadinha”.
Sete meses de espera e chega o momento aguardado: a reconstrução. Feita em 4 fases com intervalos de 2 meses: põe-se um expansor com soro fisiológico, retira-se para por silicone, reconstrução do mamilo e por fim da auréola. “Não vou esquecer esse dia. Fiquei radiante, sentindo-me mulher de novo. O médico até brincou comigo: «Vai ficar com um problema no pescoço porque só olha para baixo», exclama rindo com um sorriso juvenil. Para Anabela, a operação foi feita numa instituição particular, daí ter sido ainda mais dispendiosa. No entanto, não trocaria essa decisão por nada. “Não esperei pelo sistema público de saúde. Podia ter sido tarde demais para mim, caso eu tivesse acreditado nos primeiros médicos que me diziam estar tudo bem. A espera e a prevenção são incorrectas. A realidade devia ser estudada com maior preocupação e a reconstrução devia ser proposta de imediato. Não a quem faz radioterapia, porque aí a espera é de 5 anos obrigatórios, mas a todas as outras mulheres que aguardam e desesperam numa lista de espera ridícula”, avalia, revoltada.


Actualmente, Anabela encontra-se de perfeita saúde, tendo bimensalmente de ir as consultas de controlo. A sua vida está a salvo, todavia ficou a saber que não poderia ter mais filhos. O seu caso é hormonal e uma gravidez criaria fortes probabilidade de recidiva. “Prefiro ter só um com a mãe saudável do que dois sem mãe. Vivo o dia-a-dia feliz por ter conseguido pelo menos ter o meu Gonçalo”, exprime timidamente. Explicando melhor esta etapa, a jovem enfrenta agora uma possível menopausa precoce. O sistema hormonal de mulher madura e menstruada contém células muito activas e de multiplicação célere. No intuito de travar esse perigo, a solução tomada foi a “castração química” que consiste em injecções na barriga para secar os ovários. “Saberei como reagiu o meu organismo em Março. Obviamente, os contraceptivos ficaram fora de questão”, acrescenta.
Quando perguntamos a esta menina de 34 anos como via o futuro, respondeu da seguinte forma:
“Não me chateio com coisas insignificantes. Vejo a vida como sendo dois dias, ou como uma passagem que deve ser aproveitada. Viver bem com conforto, com amigos e alguma diversão. Os sonhos é o meu filho ter saúde, ter a mãe por muitos anos, ter pessoas amigas do lado dele e uma vida boa como eu tive e tenho (tirando este percalço)”, finaliza com um espírito de bon-vivant.

quarta-feira, 4 de novembro de 2009

RASGUEI UMA PÁGINA AO MEIO… (1ª parte)

No passado dia 30 de Outubro, comemorou-se o Dia Nacional de Prevenção contra o Cancro da Mama. O Clube das Mulheres Beirãs deixa aqui o seu contributo com o testemunho de uma jovem beirã.

Anabela Ferreira, 34 anos, natural de Vouzela, nunca pensou transformar-se numa guerreira e lutar contra um mal tão avassalador: o Cancro da Mama.
Desde nova, Anabela nunca foi uma mulher acomodada. A uma dada altura, a escola deixa de fazer sentido e sai com o 9º ano. Ficar em casa não era uma opção e decide trabalhar numa das fábricas têxteis da zona industrial. No entanto, com 18 anos, a jovem procura outros horizontes, empregando-se numa loja da vila. Até que conhece Paulo Ferreira, natural de Viseu, com quem começa a namorar. Um ano e meio depois, casam e abrem um restaurante em Vouzela. Cinco anos depois, dão por terminada essa experiência. “O nosso estabelecimento funcionava bem. Mas o meu marido estava habituado a vida citadina, e mesmo após meia década, não conseguiu adaptar-se a um meio pequeno. Optamos então por ir viver para Viseu”, conta Anabela. Aí, dá-se a verdadeira viragem. A vinda para a cidade traz-lhe uma nova oportunidade profissional. “Mudei a minha vida por completo. Uma amiga dentista incentivou-me a tirar o curso de Assistente de Medicina Dentária. Gostei da ideia e assim fiz. Estudei e empreguei-me logo”, revela orgulhosa por se sentir realizada à nível profissional e por actualmente trabalhar na clínica do Dr. Fausto. Após alguns anos e uma vida profissional estável, nasce o único filho do casal: Gonçalo, hoje com 9 anos. Tudo corria de feição e nada fazia prever o que viria pela frente na vida de uma mulher com 32 anos.
Uma manhã, ao fazer a apalpação manual debaixo do duche, descobre um caroço. “Eu notava qualquer coisa e achava que não era nada. Mas por via das dúvidas, fui ao médico, fiz exames e análises”. Em Viseu, os médicos asseguram-lhe que ela está bem e que as suas preocupações são infundadas. “Afirmavam que eu era muito nova e que como não tinha casos na família, que seria tudo coisas da minha cabeça”, realça. Contudo, a ideia vai martelando a sua mente e dirige-se a um médico particular, onde acaba por tirar os nódulos. E qual não é o seu espanto, quando recebe os resultados! Carcinomas evasivos com altos e baixos! “A partir daí, fui à luta. Em Viseu, mudaram logo de discurso, já me queriam fazer tudo e mais alguma coisa. Depois de 6 meses a iludirem-me, recusei. Fui à Clínica dos Montes Claros, à Coimbra, onde fui cuidadosamente atendida. O médico viveu intensamente o meu problema. Foi tão real, ouvi um sermão, pois não devia sequer ter mexido nos nódulos e ainda me disse que não era a minha saúde que estava em perigo, mas a minha vida”, relata.




Cancro da Mama
(Imagem retirada da Internet)

Assustada e consciencializada, a jovem segue em frente para: 4 sessões de quimioterapia, uma operação – mastectomia radical do peito esquerdo e mais 4 sessões. A quimioterapia foi um processo difícil no qual contou com o apoio constante do marido e dos amigos. E como reagiu o filho? “Normalmente. Sempre lhe contei a verdade e expliquei-lhe cada passo. Após a primeira sessão de quimio, senti o cabelo a cair. Fazia-me mal ver o cabelo aos montes na almofada, então quis rapá-lo. Nesse dia, antes mesmo de ir para Coimbra, falei com o Gonçalo para ele não se assustar quando me visse chegar a casa. Ele sabia que uma das consequências do tratamento era a queda de cabelo. Quando entrei em casa, estava com uma peruca, ansiosa pela sua reacção. Ele viu-me com e sem e fiquei tão feliz quando gritou «Mãe, estás tão gira»”, descreve emocionada. A partir desse momento, deixa os preconceitos de lado e passa a andar ao “natural” dentro de casa e no seio dos amigos. No ambiente profissional, usa peruca por achar ser a atitude mais correcta. “Como nunca deixei de trabalhar, achei que no consultório, iria ser constantemente observada. Com a peruca de cabelos naturais, isso não iria acontecer e assim fiz”.
Anabela nunca baixou os braços, prova disso é ter mantido as suas rotinas intactas, com energia e boa disposição. “Se antes de saber da doença, já gostava de mim. Depois, passei a gostar ainda mais. Até ia ao cabeleireiro, só para lavar a peruca. Mimava-me com esses momentos pessoais, tal como antes. Fazia-me bem psicologicamente”, adianta. Claro que como qualquer mulher numa situação destas, tinha alturas de tristeza, mas não dramatizava e lembrava-se de que “se tivesse bem, todos estariam; se chorasse, todos chorariam”.
Entretanto, no fim da operação e de todos os tratamentos, vem a fase da recuperação…